domingo, 2 de agosto de 2009

Entrevista do Pedro Cardoso para a revista Caros Amigos, junho de 1999

Caros Amigos, Junho de 1999.


É RINDO QUE A GENTE SE ENTENDE

Marcelo Rubens Paiva - Você é primo mesmo do Fernando Henrique?
Pedro Cardoso - Sou.
O meu avô, pai da minha mãe, é irmão do pai do Fernando Henrique e o Fernando Henrique foi muito ligado a esse meu avô. Eu conheci, mas convivi muito pouco com o Fernando Henrique.

Sérgio Cardoso - Você ouvia falar bastante...
Pedro Cardoso -
Sim, minha mãe era prima-irmã dele.

Sérgio de Souza - Ela falava bem ou mal dele?
Pedro Cardoso -
Não vou dizer o que minha mãe falava, aqui, ó! (dá uma banana), eu vou dizer o que eu falo. (risos)

Cláudio Tognolli - Você acha que começou a virar pecado falar que era parente do Fernando Henrique?
Pedro Cardoso -
Não.

Marcelo Rubens Paiva - Você vê alguma coisa da sua família ali?
Pedro Cardoso -
Vejo.

Marco Frenette - O que, por exemplo?
Pedro Cardoso -
Vaidade intelectual é um traço característico da minha família. A família do meu avô é assim, vaidade da própria capacidade intelectual. Acho que até eu devo ter esse pecado aí.

Marcelo Rubens Paiva - Falando em vaidade intelectual, sou teu fã desde a época do teatro do besteirol, e a imprensa, especialmente os críticos, nunca deu a importância para o teatro besteirol que nós, artistas, achamos que ele merece. Escrevendo muito bem, dramaturgo de primeira linha, você acha que não é considerado pelo que escreve, só é considerado como ator? Você acha que deveria ser mais lido do que visto?
Pedro Cardoso -
Essa pergunta merece uma resposta mais complicada, porque o trabalho da gente no teatro atinge as pessoas de diversas maneiras. Para o público leigo, pouco importa se o Shakespeare era um grande dramaturgo, um intelectual, se era veado, branco, preto. O público tinha um contato excelente com a obra dele. O cara senta ali, tem aquela peça lá, pum, no caso do Shakespeare, fica três, quatro horas, no meu caso uma hora e meia, em contato com a manifestação mais pura da obra, sem nenhuma poeira, sem nenhuma informação exterior à obra. Eu penso assim, o público que vai ao teatro ver um espetáculo meu tem um contato integral com a minha obra. Tudo está lá, tudo ele vê, ou gosta ou não gosta, ele se diverte ou não. Então, da minha relação com o público, não tenho nenhuma queixa, ela se dá perfeitamente. O que me dá uma espécie de mal-estar, poderia ser uma mágoa, mas mágoa é muito gay (risos), é que num país como o Brasil você tem uma grande parcela da população com um tipo de cultura que não é reconhecida como cultura, tem uma intelectualidade europeizada, americanizada, muito pequena, e tem uma questão ainda da formação da nacionalidade muito candente, muito viva. Esse pequeno grupo que tem informação europeizada toma pra si a verdade e, como ele controla os meios de comunicação, passa a ditar "a verdade", a dizer qual é o bom teatro, o bom cinema, a boa literatura, a boa imprensa, o que é a verdade e o que não é. A essas pessoas tenho vontade de me opor tremendamente. E, no caso do besteirol, é um exemplo evidente de um momento no Rio de Janeiro em que o teatro atingiu uma comunicação excelente com o público, e portanto era um tijolo sendo colocado na formação da nacionalidade brasileira. Essa é uma luta política, uma luta de poder, que me irrita, que me ofende, que agride e tenho vontade de reagir. Na hora em que a gente faz um teatro daquela qualidade, as pessoas vêm e dizem que aquilo é apenas um...

Marcelo Rubens Paiva - Besteirol. O nome é pejorativo.
Pedro Cardoso -
Totalmente pejorativo. parece coisa da ditadura, tem aquelas frases absurdas: "É um humor inconseqüente", como se pudesse haver humor que não tivesse nenhuma conseqüência. Era nitidamente a tentativa de ter um argumento qualquer apenas para agredir. E dali a uns cinco ou seis anos, 1986, 1987, surgiu o teatro que veio dominar até recentemente, que é o teatro feito por esses diretores que o Antunes chamou de decoradores, numa feliz ironia. Diretores totalmente europeizados, que fazem um teatro que já está pronto na Europa ou nos Estados Unidos, que diz pouco ao Brasil, independentemente de ser bom ou ruim. Não tem nenhum ponto de contato com essa complexidade que a gente chama Brasil, que tem pobre, rico, índio, milionário, tem de tudo e isso é um troço que precisa se reconhecer, ele busca se reconhecer.

Cláudio Tognolli - Você falou em humor inconseqüente, acho que você é a pessoa certa para responder sobre a questão do politicamente correto. No enterro do Paulo Francis, o Millôr Fernandes falou a seguinte frase do lado do caixão: “Eu e o Francis éramos os últimos soldados a combater esse nazismo bem comportado que é o politicamente correto”. E o Jim Davis, “pai” do Garfield, falou: “O politicamente correto vai acabar com o humor porque ele quer colonizar a diferença. O humor nasce da diferença”. Aí eu te pergunto: a Rede Globo tem o Manual do Politicamente Correto. Como você faz o teu humor sabendo que, se atacar qualquer minoria ou etnia, gozar, tirar um sarro do que é diferente na pessoa, hoje, é proibido?
Pedro Cardoso -
Eu não tenho conhecimento de nenhum Manual do Politicamente Correto da Rede Globo, nunca me deram.

Cláudio Tognolli - Na Angélica já está sendo aplicado.
Pedro Cardoso -
Não conheço. Quanto ao politicamente correto, acho que não tenho uma resposta simples para dar, não. Mas, no que você está falando aí, acho que as mídias de massa deformam a relação humana. Uma piada que eu fale no teatro, que mal ou em é um contato ao vivo, se alguém ficou chateado, pode levantar e dizer: “Pó cara, que é isso?” (risos). Já o maximídia implica uma covardia, porque não permite defesa. Uma piada que num contato ao vivo tem autenticidade, se justifica, eu teria pudores de dizer no maximídia – na TV ou em jornal, porque o cara que está sendo atingido pela piada não tem como virar e falar pra mim: “Ô Pedro, acho que você foi chato”. No teatro falo de qualquer assunto, não tenho comigo nenhum manual de politicamente correto. Nessa peça que eu faço (Os Ignorantes) tem uma grande cena em que um cara esbofeteia um aleijado. O humor não está no fato de um aleijado estar apanhando, está calcado no fato de uma pessoa estar batendo num aleijado e achar que está apenas se defendendo. Então é uma questão complexa, mas os maximídias, por implicarem essa covardia, eu entendo que sobre eles recaia um certo constrangimento, porque realmente a gente não é preto, a gente não é índio, alguns de nós não são veados... (risos)Então, a gente não sabe o que é realmente uma piada feita, eu não sei isso, são experiências que eu não tenho. Falei esse negócio do maximídia porque é uma realidade. Mas o que acho de mais profundo é que é uma questão de competência. Uma boa piada nunca é reacionária. Porque a piada move o pensamento, ela já é um pensamento em movimento, E o preconceito é o contrário disso, é um pensamento estagnado, é um conceito anterior à experiência. Então posso fazer uma piada sobre qualquer assunto, sobre a pessoa que morreu ontem, que a piada estará em movimento.

Marcelo Rubens Paiva - O humor é técnica, pesquisa ou algo com que a pessoa nasce? Como se inventa uma piada?
Pedro Cardoso -
É difícil generalizar, para cada comediante, cada escritor, deve ter casos diferentes. Eu não era uma pessoa bem-humorada. Fui um adolescente muito chateado, não via muita graça nas coisas. Mas no fim da adolescência conheci o Felipe Pinheiro, um amigo que morreu, que era um cara extremamente bem-humorado. E, antes de ser uma pessoa que fez piadas junto com ele, fui um telespectador privilegiado do humor dele. Num certo sentido, ele despertou em mim uma possibilidade de compreensão que estava sufocada pelas minhas neuroses juvenis. Então, o humor pra mim foi uma grande forma de libertação, fiquei uma pessoa mais poderosa. Por exemplo, um guarda me parava quando eu era um cara sem humor, eu ficava refém do guarda. Depois, quando o guarda me parava, eu já achava ridícula a postura dele, a autoridade dele, o bigode dele, a maneira como falava comigo. Então, tudo no guarda já era pra mim relativo, e o poder do guarda diminuía. Eu dava em cima de uma garota, ela me dava um fora, eu ficava assim (faz cara de derrotado).Aí, já mais bem-humorado, a menina me dá um fora, você já acha aquela menina uma idiota (risos)Entendeu? O humor foi uma coisa que quase salvou a minha vida, quase a minha sanidade, digamos assim, eu não diria minha vida. Depois desse primeiro momento, que foi quase como descobrir o sexo, dois anos depois você fica assim só pensa em boceta, boceta, trepar, trepar e trepar; peito, boceta, bunda, peito, boceta, bunda, peito, boceta, bunda, peito, beijo na boca, bunda, boceta... (risos) Fica uns dois anos assim, depois passa, você começa a ver que tem uma mulher atrás daquilo e tal, de vez em quando ela quer alguma coisa... (risos)

Sérgio Pinto de Almeida - Conversar...
Pedro Cardoso -
Tem que conversar...

Verena Glass - Se fosse muda era bom, né?
Pedro Cardoso -
Talvez, quando a gente seja muito mais jovem, uma muda seja bom. Mas aí o humor foi assim, fiquei assim uns dois anos, tudo eu achava engraçado, tudo que eu via na rua eu ria, fiquei meio obcecado. Aí, depois, tem um aprendizado técnico, você começa a entender, a refletir um pouco sobre o que é. Então, digamos, nasce de um advento psicológico qualquer que se dá, e depois há um aprendizado técnico.

Sérgio Pinto de Almeida - Nesse momento em que descobre o humor, você já estava no meio do teatro?
Pedro Cardoso -
Já. Trabalhando como operador de luz, o Felipe era um ator, um cara de uma inteligência excepcional, brilhante mesmo, um senso de humor extraordinário. E teve contato com isso muito cedo, porque teve problemas com drogas quando era garoto, então me contava que quando tomava ácido ficava tentando atravessar uma parede. A mãe dele cheia de visitas e ele assim (Pedro empurra o corpo contra a parede – risos), tentando passar. E a mãe dele dizia: “Ele é assim mesmo”. (risos) Depois do Felipe tive um aprendizado novo, você começa a ver os filmes dos grandes cômicos, e a pensar sobre o assunto. Mas ainda o que me faz criar não é a técnica, é o reencontro com essa identidade, porque a minha identidade se fez ali, entendeu? Quando você sai da adolescência, tem uma hora que a sua personalidade encontra uma forma. E quando reencontro esse momento é que escrevo.

Verena Glass - Você começou a atuar ou a escrever primeiro?
Pedro Cardoso -
Foi tudo ao mesmo tempo. O Felipe me convidou pra fazer um espetáculo com ele. Bar, Doce Bar. Ele falou: “Vamos fazer um espetáculo sobre tudo o que a gente faz de bom e os diretores não deixam a gente fazer em cena”. Porque ele fazia muita coisa nos ensaios, de brincadeira, que nunca iam para o palco. Por exemplo, a gente escreveu uma cena juntos em que fazíamos uma peça que era um grande fracasso. Ele começou a inventar uma entrevista de um ator que era um grande fracassado e que tinha ficado muito besta com o fracasso, e tinha vários projetos igualmente destinados ao fracasso. Queria montar as 24 Horas de Le Mans só com carrinho de autorama. (risos) Queria montar também uma leitura, o Frei Betto lendo a Bíblia... Ele tinha essas idéias, queria montar Singing in the Rain no teatro de rua, mas só em dia que chovesse bastante. (risos) O Felipe era um cara bem-humoradíssimo.

Marcelo Rubens Paiva - Você é uma pessoa muito engraçada. Me contaram que você outro dia achou o nome da praça Pan-Americana muito bonito, entrou num táxi: “Praça Pan-Americana”. O táxi parou lá: “Mas doutor, onde o senhor quer parar?! “Na praça Pan-Americana.” “Mas a praça Pan-Americana é uma rotatória.” “Não interessa.” Só porque você achou o nome bonito.
Pedro Cardoso -
São Paulo é foda, achei que Pan-Americana tinha alguma coisa a ver com o Memorial da América Latina. (risos)Foi o acidente de um carioca em São Paulo. Passeei muito em São Paulo assim, No primeiro dia, a produção alugou um carro pra mim. Aí, um dia, 6 da tarde, falei: “Deixa eu dar uma volta de carro”. Porque no Rio você faz muito isso. Bicho, entrei na Consolação para nunca mais sair. Fiquei parado ali horas. (risos)

Marina Amaral - Nessa história de carioca em São Paulo, você viu que a Regina Casé provocou uma polêmica, reacendendo a briga paulistas versus cariocas. O que você achou?
Pedro Cardoso -
Sou gato escaldado. Toda vez que um homem de imprensa publica alguma coisa que alguém disse, o homem de imprensa publica também alguma coisa que ele quer dizer através da pessoa que está dizendo. É uma ingenuidade achar que o órgão de imprensa se exime de colocar sua opinião sobre o que a pessoa está dizendo. A chamada dessa matéria é “A culpa é de vocês”. Acho essa chamada intelectualmente desonesta. Ela nunca teria dito uma coisa nesse sentido.

Cláudio Tognolli - Você acha que o paulista tem menos humor que o carioca? O Nélson Rodrigues costumava falar que a melhor maneira de solidão é a companhia de um paulista (risos), você acha isso?
Pedro Cardoso -
Gosto de São Paulo, gosto de fazer teatro aqui. Seria injusto se falasse que o paulista tem menos humor que o carioca. Na minha peça, os paulistas riem o tempo inteiro. O que acho é que, assim como o Rio de Janeiro tem uma certa vaidade ridícula, e acha que tudo o que faz é sublime, também acho que São Paulo se caracteriza, às vezes, por uma certa mesquinharia com a vida, que é também igualmente ridícula. E acho que São Paulo não se permite sonhos de grandeza, enquanto no Rio tudo o que a gente faz é pra mudar o mundo, é pra mudar o teatro e tal. São Paulo é muito pouco lúdico, muito pouco onírico.

Sérgio Pinto de Almeida - Do mesmo jeito que você fez a crítica em relação à matéria sobre a Regina, você não acha que por parte dos artistas há uma prepotência, uma auto-suficiência, que eles não aceitam ser questionados, tudo o que fazem é genial, “esse meu último disco é o melhor”, “o meu teatro...”. Não há uma arrogância?
Pedro Cardoso -
Essa questão existe no artista, no médico, no engenheiro, no advogado, existe no homem essa possibilidade de prepotência. Não sei se mais no artista do que em outras profissões. O que sinto é que no artista isso se coloca imediatamente porque o trabalho se dá de uma forma pública. E isso se dá num nível de agressividade muito alto, porque uma coisa é você chamar um bombeiro na tua casa, ele faz um troço malfeito, você vira pra ele e diz: “Essa descarga ta ruim”. Ele fala: “Ah, madame, tá ruim nada, é assim mesmo”.

Sérgio Pinto de Almeida - Bombeiro no Rio, né? Aqui é encanador.
Pedro Cardoso -
E estão só os dois ali. Agora, se você não gosta de uma peça minha e publica isso num jornal, que diferença, não é? Depois tem o aspecto de a imprensa ser a porta-voz da verdade, isso me incomoda muito. A imprensa não dita uma opinião, ela dita uma coisa. Ela não fala: “Eu acho”. Ela fala “É”. Aí é foda, bicho, por que que é? E como vou me opor a isso? O cara vai ver a minha peça, se não gosta, fala “A peça do Pedro Cardoso é chata”. Imagina quantas pessoas lêem um jornal, já pensaram nisso? E quantas pessoas vêem minha peça? E tem outra coisa fascista da imprensa. Uma opinião publicada inteira, uma vez, é alguma coisa da qual tenho como me defender. Uma opinião reduzida a um símbolo, uma bola preta, e publicada repetidamente deixa de ser opinião, passa a ser propaganda contra a minha peça, e da qual não tenho como me defender. Você entendeu por que a gente às vezes reage tão violentamente contra isso? Aí o cara diz: “Mas aí o jornal vende, porque as pessoas gostam de ver bolinha preta”. Foda-se. Se a humanidade, por que as coisas vendem, passa a poder fazer qualquer coisa, é um mau caminho para todos nós.

Sérgio Pinto de Almeida: Você não é capaz de fazer uma coisa ruim, passível de crítica?
Pedro Cardoso -
Vamos falar de outra pessoa, por que eu não sou. (risos) Deixa eu falar uma outra coisa. Nessa questão entre a classe artística e a crítica, quem critica a classe artística é a imprensa. Não é ninguém, é só a imprensa, não tem outro fórum de debate. Nisso entra uma outra coisa que também é muito difícil, não sei se vocês percebem: o sonho de todo jornalista é ser notícia. A inveja que o jornalista tem da notícia é uma coisa tremenda. Toda vez que sou entrevistado, fico me perguntando: “Como é possível que essas pessoas estão aqui realmente querendo saber o que eu penso, elas devem é estar a fim de dizer o que elas pensam”. Porque é muito mais agradável a gente falar o que a gente pensa, do que ficar perguntando pro outro o que ele pensa. O maior desafio da humanidade é conseguir ouvir realmente alguém falar. Quando você briga com a sua mulher, “você não me ouve”,não é o que elas falam? Porque a gente realmente não ouve. Então, isso que você colocou pra mim tem essa grave dificuldade humana. Se o artista realmente pode cair nesse pecado da onipotência, o jornalista tem que enfrentar também o seu ciúme da notícia, porque ele tem um ciúme terrível da notícia. Ta chateado? (risos)

Sérgio Pinto de Almeida - Não, até porque não faço esse trabalho, acho que procede isso que você está falando, mas vejo do outro lado que é o seguinte...
Pedro Cardoso -
No caso da Regina Casé, teria sido mais honesto se aquele órgão de imprensa (a Folha de S. Paulo) e aquele jornalista tivessem escrito de próprio punho a sua opinião sobre ela, que é o que no fundo aquela matéria é.

Sérgio Pinto de Almeida - Mas uma coisa é a Regina Case falar e a outra é um repórter que não é conhecido falar.
Pedro Cardoso -
Problema do jornalista, torne-se conhecido, né?

Sérgio Pinto de Almeida - Então, você não entrevista a Regina, não entrevista ninguém. O leitor quer saber a opinião da Regina.
Pedro Cardoso -
Sabe qual é o ideal? É como aqui, a boa entrevista tende a se tornar uma conversa. Tem um livro do Gabeira, em que ele entrevistou aquele líder francês de Maio de 1968, Dani, o Vermelho, Daniel Conh-Bendit, e ele conta isso no livro. E quando ele disse isso, que eu li, eu disse: “É isso mesmo”. Ele foi pra entrevistar o cara-ele não diz isso que ele não é cabotino, provavelmente um cara do nível dele, a semelhança da história deles dois-,mas a entrevista foi impossível, porque a primeira pergunta que o Gabeira fez, o cara fez outra: “Vem cá, tu seqüestrou um embaixador?” E aquilo virou uma conversa.

Sérgio de Souza - Mas você não está misturando um pouquinho a crítica e o jornalismo? O crítico não é necessariamente jornalista.
Pedro Cardoso -
Na verdade, quem critica de uma forma mais desagradável são colunistas, coisas de notinha, entendeu, às vezes sobre a vida pessoal tua. Uma crítica bem escrita nunca me desagradou.

Marina Amaral - Quem cunhou o termo besteirol foram os críticos?
Pedro Cardoso -
Foi o maximídia. Eu e o Felipe escrevemos isso num release. Naquela época vinha sendo um teatro muito politizado no Brasil. E sempre as comédias de boulevard francesas, tem até hoje, Trair e Coçar, por exemplo, e o teatro do movimento era o teatro político, fruto da repressão. Eu e o Felipe achávamos aquilo chato. Depois vim a gostar muito, de Vianinha, Guarnieri, a ponto de adorar. Mas na época achávamos chato. Éramos jovens, não tínhamos sido torturados, não tínhamos nenhum problema com os militares, ou não sabíamos que tínhamos tido. E tínhamos uma vida muito boa, então não havia por que ficar falando daqueles problemas. E, em oposição, escrevemos um release: “Nosso espetáculo é uma besteira, uma brincadeira, é pra você ver e esquecer”. Meio provocando, porque aconteceu que o teatro se tornou um fórum das grandes discussões da humanidade, isso é muito ruim para o teatro.

Cláudio Tognolli – Aquela visão que você diz que aprendeu de olhar o guarda como uma figura humorizada você aplicaria hoje, quando vê o Ratinho, Leão Livre, esses programas que exploram a violência, essa bizarria que sempre volta à televisão?
Pedro Cardoso –
Não dá pra responder nenhuma pergunta sobre a televisão, falando só de televisão. Toda vez que me perguntam alguma coisa sobre televisão, tenho vontade de falar do Brasil. Acho que a partir da revolução de 64... acho, não, é sabido, houve um investimento maciço em um empobrecimento intelectual da população como um todo, uma coisa programada, talvez até conscientemente, por algum americano, naquela época, senão atavicamente. A primeira coisa que o regime militar fez foi acabar com as escolas todas. Muita coisa foi sendo destruída e isso gerou o quadro que a gente vê, uma camada gigantesca da população sem nenhum preparo para viver. O que acontece? Depois de trinta e tantos anos daquele movimento militar, você tem o Ratinho. Mas, se você não ligar o Ratinho ao movimento militar, não só aquele de 64, mas a vários outros da história do Brasil e a essa histórica dificuldade do Brasil em apostar em si mesmo... O Caetano tem um verso que eu adoro: “Qualquer plano de educação que pareça simples e fácil”, neguinho fica logo desesperado – porque não é possível que seja tão complexo educar um povo. É mentira, é falta de vontade política de fazer, uma coisa atávica da elite brasileira.

Verena Glass – Como foi a sua entrada na televisão, e por quê?
Pedro Cardoso –
Foi bem confusa. Eu fazia teatro, não tinha nenhum desejo de fazer televisão. Logo no começo fiz dois negocinhos de ator, e foi ótimo ter feito, porque eu e o meio nos odiamos. Odiei fazer e acho que os diretores também, e as pessoas que lidavam comigo idem, deu tudo errado.

Verena Glass - Você entrou primeiro como ator?
Pedro Cardoso -
Tinha 21 anos, fiz um negócio de ator, chamava Quarta Nobre, eram umas adaptações de dramaturgia.

Marcelo Rubens Paiva – Que ano era isso?
Pedro Cardoso -
1983.

Marcelo Rubens Paiva – Já com besteirol?
Pedro Cardoso -
Já tinha feito Bar, Doce Bar e por conta dessa peça me chamaram para fazer esse negócio de ator. Aí fui fazer, não entendi nada, era muito garoto, achei que era igual aqui, que todo mundo se cumprimentava. Não é, chega lá grava, eu fiquei meio assim. Dei sorte que era com o Paulo José, pessoa que eu adoro e que me acolheu um pouco. Aí tive uns três anos depois uma experiência horrível num programa chamado Cometa Loucura, que era uma parada de sucesso, me botaram junto com a Carla Camurati e aquele menino que morreu, tadinho, o Lauro Corona, pra fazer apresentação. Me vestiram de uma maneira ridícula, foi uma coisa desesperadora, cara...

Marina Amaral – Eles não te explicaram como era o programa?
Pedro Cardoso -
Tenho que explicar umas coisa da minha vida pra vocês poderem entender. Durante a juventude fiquei um pouco fora do mundo, a realidade pra mim ficou realmente uma coisa longe.

Sérgio Pinto de Almeida – Você também queria atravessar parede?
Pedro Cardoso -
Não, não tive problema de droga. Tive muita dificuldade, eu não via muito a realidade, achava que tudo estava dentro da minha cabeça. Não sabia direito o que era ter um programa de televisão. Sabia pela sensibilidade, mas não sabia bem o que era ir pra aquilo. Eu era movido sei lá por que, fui vivendo. Com 24 anos tive uma crise psicológica profunda, quando deparei com a realidade. “Eh!!!! (encena um susto – risos), porra, não sou eu que digo que aquilo é uma parede, aquilo é uma parede!” Caramba, tive muita dificuldade, como uma criança. Quem tem filho sabe que a criança, nos primeiros anos de vida, fica aprendendo que o real é exterior a ela.

Marcelo Rubens Paiva – Agora, vi uma coisa acontecer com você que nunca vi acontecer com nenhum ator. Era Cinco Vezes Comédia, o Palace lotado, aliás, você não entra pela lateral, você está na lateral, o foco de luz vai em você, você não faz nada e a platéia inteira começa a se esborrachar de rir. Que domínio é esse sobre uma platéia? Isso te dá uma sensação de onipotência?
Pedro Cardoso -
Me lembra um verso de Fernando Pessoa, “Apertei ao peito hipotético mais humanidades que Cristo”, um verso da Tabacaria. Me senti isso mesmo, dá onipotência, sensação do divino.

Marcelo Rubens Paiva – O nome disso é carisma, não é? O poder de mobilização da massa.
Pedro Cardoso -
Eu me envolvi muito na campanha da fome, com o Betinho, lá no Rio de Janeiro, e teve um momento em que comecei a coordenar uns comitês e o Betinho falou assim pra mim: “Pó, você nunca pensou em política?” Porque tem essa coisa mesmo.

Wagner Nabuco – Carisma, originalmente, tem a ver com “aquele que é tocado pela graça”.
Pedro Cardoso -
Ó, nem sabia, tá vendo?

Verena Glass – Você falou do envolvimento da campanha contra a fome. E trabalha temas ligados a questionamentos políticos, mais ligados à esquerda. Como você se situa como cidadão, como você pensa a questão social?
Pedro Cardoso -
Hoje em dia tenho profundas convicções de esquerda. Existem coisas ditas pelas ideologias de esquerda, em vários momentos históricos, sobre as questões básicas do homem, que não deixam nenhuma dúvida. Acho que o homem tende, pela tremenda hostilidade do meio ambiente, ao individualismo, por uma questão de sobrevivência. Se soltar todos nós aqui numa selva, não garanto que vou dar a mão pra você na hora em que você estiver caindo. Dou a mão para você na hora em que uma situação social, cultural faz com que eu dê a mão pra você. O homem fez a cultura porque precisava de normas de convívio que o livrassem da condenação da natureza. Então, certas idéias socialistas são extremamente pouco naturais, são quase uma oposição à tendência natural do homem, entendeu? No entanto, acho que é melhor o homem lutar por conquistar a cultura do que se abandonar à intempérie tremenda da sua selvageria, vide a guerra da Iugoslávia. Então, certas coisas de esquerda, como a educação, a remuneração muito menor pro capital do que a atual, a valorização muito maior do trabalho em relação ao ganho do capital, e essas questões básicas como hospital etc., tudo isso, não tenho nenhuma dúvida, prefiro enfrentar. A gente já sabe os problemas que isso traz para países que já têm socialismo há cinqüenta anos, traz uma juventude desanimada, né? Mas acho que são problemas menores de lidar do que o problema que, aliás, não conhecemos na pele, que é de nascer um lugar, ter dez irmãos, não ter o que comer, vai crescer sem ter onde estudar, a pessoa nessas condições não tem saída.

Verena Glass – Você sente essa necessidade de fazer uma diferença no mundo?
Pedro Cardoso -
Eu? No âmbito muito restrito do que a minha vida alcança, basicamente três pessoas, minha mulher e duas filhas. A minha arte acontece na sociedade basicamente do Rio de Janeiro, não tenho sonhos megalômanos. Tenho sonhos, mas não exerço uma prática que realmente me leve a comunicar com o Brasil inteiro. Seria incompatível com a minha necessidade primeira de realmente fazer uma arte. Quer dizer, embora eu tenha essas convicções políticas, o que me liga à vida de maneira é uma ambição muito egoísta e muito vaidosa de realmente fazer um espetáculo de teatro bem-feito, isso me enlouquece. É uma coisa da qual não me desligo, fiquei três anos escrevendo minha última peça, minha vaidade é incomensurável nisso. Acredito que o Lênin tinha uma vaidade de fazer a revolução, vaidade bacana. A minha é fazer peças de teatro boas.

Sérgio Pinto de Almeida – Mais do que a televisão.
Pedro Cardoso -
Televisão, pra mim, é apenas onde ganho o meu dinheiro. Não tenho nenhuma relação afetiva. Não consigo resolver esse problema de que entre mim e o público tem uma mídia, e de que essa mídia tem suas próprias leis e eu não controlo. Como a minha vaidade a respeito da minha arte é enorme, isso permanentemente me agride. Quando vejo que o que público vê não é exatamente o que fiz porque tem uma mídia aí, entra um comercial no meio, não escrevi o comercial! No meio da minha peça não entra comercial. Essa interrupção no fluxo entre mim e o público, tudo isso são coisas insuportáveis. Pode haver, talvez, um grande artista da TV, mas não conheci. É um meio difícil de a arte se dar por inteiro. Interesse econômico é determinante. A arte nem sempre pode estar subjugada pelo interesse econômico. É uma briga mesmo. E no teatro o interesse econômico é mínimo, é sobrevivência das pessoas que estão em cima do palco, desde sempre foi isso. Ninguém faz teatro pra juntar capital, o pessoal faz teatro pra comer, entendeu? A humanidade precisa entender que existem muitas outras coisas além do dinheiro. Até pra poder pensar o próprio dinheiro.

Verena Glass – Como você faz a escolha de uma temática da peça?
Pedro Cardoso -
É como um rio subjetivo que vem de dentro do autor e encontra o mar da subjetividade do coletivo. Aí dá uma pororoca, porque a idéia no fundo é uma pororoca. Esta última peça se chama Os Ignorantes, e é basicamente sobre a ignorância que as pessoas têm sobre si mesmas. Como tive muita dificuldade na vida de trabalho e tal, fiquei vendo que muitas vezes a pessoa estava agindo, e dizendo que estava agindo por um determinado motivo, enquanto eu conseguia ver que não era por aquele motivo. Ela estava apenas defendendo os seus interesses. Fiquei muito espantado – voltando à campanha da fome – quando vi que as pessoas de esquerda, muitas vezes, estão falando em nome do povo, da liberdade, e estão apenas tentando encontrar um lugar pra elas mesmas na sociedade. Quantas vezes encontrei pessoas de esquerda, até líderes, deslocadas na sociedade, muitas vezes frustradas, que não encontraram seu verdadeiro talento para nada e transformaram-se em líderes de esquerda. E a vaidade que transbordava delas ao terem escolhido para si mesmas o papel de salvadoras do mundo. Um perigo na esquerda, porque a esquerda é uma coisa que acha que está certa, a direita pelo menos sabe que está errada. (risos)Ela quer mesmo é o dinheiro. É uma coisa mais verdadeira, de certa forma. A esquerda escolhe o sonho de uma grandeza foda, entendeu? É ser o anjo da utopia. Isso foi um momento, por exemplo, em que vi essa ignorância. Comecei depois a prestar atenção em mim mesmo, como eu também muitas vezes me comportei assim. Então, a minha subjetividade encontrou a subjetividade do coletivo. Aí dá uma pororoca, e o tema surge. É um processo longo, complexo, passei um, dois anos escrevendo antes de a palavra ignorante aparecer pra mim. Era o teatro da vida, porque eu achava que todo mundo representava. Aí vi que não é representação, a pessoa realmente é assim, ela não está fingindo que é de esquerda, ela é de esquerda, mas não é de esquerda pelo que ela acha que é, é por outro motivo. Mas também não é só pelo outro motivo, é também por esse motivo que ela acha. A pessoa também é uma construção, não é só a sua natureza.

Marcelo Rubens Paiva – E como você chega ao resultado final? Você escreve, dirige e atua. Você faz em frente ao espelho?
Pedro Cardoso -
Não, nesses três anos, até a peça se definir pra mim, era eu e o computador.

Sérgio Pinto de Almeida – Você encena alguma coisa? Encena pros amigos?
Pedro Cardoso -
Não mostro nada. Eu e o computador tentamos encontrar, e aí uma coisa meio dos surrealistas, do André Breton, um pouco de escrita automática. Escrevo um pouco tomado, meio bate um tambor lá, baixa um santo.

Marcelo Rubens Paiva – E como você vai pro palco ensaiar?
Pedro Cardoso -
Tão tomado quanto. Aí é um outro momento muito semelhante...

Marcelo Rubens Paiva – E alguém assiste?
Pedro Cardoso -
Ninguém, ensaio sozinho.

Marcelo Rubens Paiva – Tem espelho ou não?
Pedro Cardoso -
Não, o espelho para o ator é mortal. O ator projeta uma imagem, é um emissor de imagem, se projeta bate e volta, ela te oprime literalmente.

Marina Amaral – E como que é quando você vê gravada alguma coisa que fez na TV?
Pedro Cardoso -
Meio esquizofrênico. Parece que não sou eu, parece que é outra pessoa.

Marco Frenette – Aqui você falou ora como um sociólogo ou psicanalista, ou um pensador dos problemas brasileiros; isso demonstra uma preocupação com o país que vai além do teatro. E, assistindo à peça, você abria os quadros com uns monólogos curtinhos, muito bonitos, com texto mais elaborado do que o resto da peça, e a impressão que me passou é que você fez isso de maneira rápida, como se o público não fosse gostar daquilo. A pergunta é a seguinte: você não sente vontade de fazer um espetáculo onde essa verve, esse monólogo mais trabalhado seja mais longo?
Pedro Cardoso -
Vou responder, primeiro aceitando a sua ponderação. Talvez por ter um estilo da comédia muito apurado, tenho dificuldade em viver os momentos que não são hilariantes, isso é uma dificuldade que prometo que na próxima vez você não sentirá. (risos) Aqui mesmo, pra mim, estes momentos são mais difíceis de viver. Embora nem tanto, porque aqui, falando assim teoricamente, é mais fácil. Mas também acho que essa sua ponderação manifesta um preconceito contra o humor. Os textos de humor são tão elaborados quanto aqueles. Só que ninguém dá valor ao humor, então parece que aquele momento sério, a “palavra elaborada” que você falou, parece mais elaborado, o sério é mais sério do que o momento cômico. E acho que o momento cômico é tão sério ou mais sério que o momento sério.

Marco Frenette – Desmerece o drama isso?
Pedro Cardoso -
Desmerece totalmente, drama é uma chatice. O drama é uma arte menor, e diz que o drama é uma arte de gente burra. A grande arte é a comédia, o drama só Dostoievski – aí também já vai logo porrada.

André Bertoluci – Isso me lembrou do O Que É Isso, Companheiro? É um drama e você via a platéia em alguns momentos chorando de rir. Momentos que não eram cômicos. Como é trabalhar com o estigma do humorista?
Pedro Cardoso -
Não me sinto estigmatizado. É como você perguntar pra Michelle Pfeiffer como é o estigma de ser linda. (risos)

André Bertoluci – Uma expressão facial sua já provoca isso.
Pedro Cardoso -
As pessoas podem se estigmatizar em relação a mim com isso, não eu.

Marcelo Rubens Paiva – O que você achou da fala do Gerald Thomas que te chamou de maior ator brasileiro.
Pedro Cardoso -
Ele viu a peça, gostou e escreveu aquelas coisas todas, achei muito generoso. Mas, assim como eu disse sobre a entrevista da Regina, também o Gerald falou o que ele pensa, dizendo alguma coisa sobre mim disse no fundo uma coisa sobre ele.

Marcelo Rubens Paiva – Mas você se considera o maior ator brasileiro?
Pedro Cardoso -
Seria mentira dizer que não, e seria cabotinismo dizer que sim. (risos) Não tem resposta. Ator é meio igual a Fórmula 1, talvez o único teste seja botar pra correr, pra ver quem chega primeiro. (risos)

Sérgio Pinto de Almeida – A gente ouve sempre o seguinte: qual é o prazer do ator de estar lá no palco de novo fazendo em tese a mesma coisa da noite anterior?
Pedro Cardoso -
Olha, gente, sem brincadeira, é muito parecido com sexo. Qual é o prazer de no dia seguinte comer a mesma mulher praticamente da mesma maneira? (risos) Na nossa idade, a gente já sabe que aquelas posições do Kama Sutra são mentira. (risos) Noventa e nove por cento são de um desconforto tremendo, na verdade as posições são três ou quatro, e olhe lá. O sexo é a mesma mulher, é o mesmo corpo, mas o encontro é outro, e no teatro muda a parceira.

Verena Glass – Fala um pouquinho do processo criativo de escrever pra televisão.
Pedro Cardoso -
Eu diria que sou escritor profissional na televisão. No teatro sou um abnegado, na televisão sou mão-de-obra assalariada, competente. Aquilo eu aprendi, não é um talento natural, Deus não me deu. Estudei aquilo. Teatro eu estudei de forma muito maior, a minha vida deságua no teatro. Televisão me cobra uma determinada linguagem. Então, isso compromete a minha entrega, a minha alma. A minha peça não tem linguagem predeterminada. A linguagem dela é posterior ao conteúdo. Na televisão, a linguagem é dada antes do conteúdo. Vai ter um break comercial a cada dez minutos, queira eu ou não, vai ter. Não tem como escrever uma cena de vinte minutos, porque vai ter um break aos dez. Na pela. Talvez eu faça uma dramaturgia que tenha uma cena de 25 minutos. Então, o fato de a linguagem não se predeterminada libera a expressão, libera a alma. Agora, imagino um jornalista, que tem que escrever uma resenha, tem que ter doze linhas. O pensamento não vai se desenvolver, você vai escrever doze linhas. Isso não é do homem, isso é da empresa, é uma questão que a indústria impõe ao homem, porque amanhã tem que vir um outro cara e escrever com doze linhas, porque é o espaço que tem. São coisas que entendo, são as razões da indústria, mas estou cagando, a humanidade não pode ficar condenada a só fazer as coisas que atendam à demanda da indústria.

Marina Amaral – O Muvuca, da Regina Casé, foi muito criticado, dizem que não faz o mesmo sucesso que o Brasil Legal. Quando vocês começaram com Vida ao Vivo, também teve um problema parecido. Por que será que essas duas coisas aconteceram mais ou menos paralelas?
Pedro Cardoso -
Uma empresa, o SBT, a Globo ou qualquer outra que tende a fazer produtos sempre semelhantes, no fundo, aposta no conservadorismo do telespectador que “quer sempre ver a mesma coisa”. Acho que isso é uma mentira que os economistas inventaram e impuseram às indústrias de comunicação, porque, toda vez que chega uma novidade na televisão, demora um pouco, mas emplaca. O Muvuca, você vai ver, já emplacou. O Programa Legal, quando a Regina fez pela primeira vez...

Marcelo Rubens Paiva – Ou o Sai de Baixo...
Pedro Cardoso -
O Sai de Baixo tem o Miguel Falabela lá, então novidade emplaca. Mas o executivo da empresa quer a novidade igual ao velho. “Vamos fazer um programa novo, igual àquele que tinha, o Times Square”. (risos) Uma loucura, um programa novo igual ao outro. “Não é novo, mas é igual, aquilo era tão bom! Aquilo dava um ibope danado.” Porque o patrocinador também e liga e pergunta: “Vem cá...”

Sérgio Pinto de Almeida – “Você não tem uma Família Trapo aí?”
Pedro Cardoso -
“Na Família Trapo a gente vendia água mineral adoidado, não dá pra fazer outra?” Acho que a humanidade está se debatendo ainda nesse negócio... O feudalismo acabou há muito pouco tempo, foram séculos de feudalismo contra parcos séculos de capitalismo. Ainda é muito tumultuada a relação entra a produção de bens e a vida das pessoas. Não tem nenhum sentido você trocar de carro a cada ano, e no entanto...

Wagner Nabuco – Você tem noção, quando fala uma frase desse tipo, que o seu discurso é o da ortodoxia marxista?
Pedro Cardoso -
Rapaz, tenho cultura pouca em ortodoxia marxista, tenho um convívio grande, familiar, nesse tipo de pensamento. Fui educado num ambiente muito mais intelectualizado do que eu mesmo seja, entendeu? Ouvi falar de livros muito mais do que li. E ouvi, participei muito garoto de conversas extremamente complexas. Sou um intelectual do pau oco.

Cláudio Tognolli – Internet, como mudou a tua vida a Internet? Tem pessoas que fizeram da Internet a sua vida cover, inclusive o Marcelo tem uma peça pronta sobre isso. Enfim, o que você acha da Internet?
Pedro Cardoso -
Olha, muito antes de virar coisa de todo mundo eu já tinha computador, já tinha um e-mail, não me faz vista, acho que é uma novidade tecnológica tão interessante quanto o fax. Ainda acho mais interessante o telefone, uma invenção muito além disso tudo. Muitas vezes encontrei com amigos assim e eles: “Me dá teu e-mail”. Porra, me liga! A única coisa que acho significativa é a volta com muita força da linguagem escrita. Isso pode ter conseqüências na humanidade realmente bacanas, reais. Essa coisa de todo mundo falar com todo mundo ao mesmo tempo, no telefone já falava. Essa de entrar em biblioteca, o livro não tá lá, você só vê o título. Comprar o CD, é um teleboy, acho que é tudo meio assim. Agora, a volta da linguagem escrita é muito importante, e tem uma coisa nos Macintosh que acho também significativa, que é o negócio da interface gráfica, gráfica mesmo, da linguagem no Macintosh que joga a humanidade num hieróglifo: “Eu estava no desktop”, você vai escrever um negócio só de hieróglifo, uma carinha, uma mesinha, uma caneta, é uma coisa com que os lingüistas vão se deleitar. Isso é um avanço, um processo na eficiência da comunicação.

Verena Glass – Eu queria entrar um pouco nessa questão de vaidade pessoal sua. Quando você escreve é porque quer transmitir um pensamento seu ou porque acha que as pessoas que vão te ouvir vão achar que você é muito legal?
Pedro Cardoso -
É complicado isso, cheio de matizes, não é uma coisa que se estagne. Por exemplo, quando eu era mais jovem, o fato de estar em cena perante as meninas contava muito. Acho que muita gente vai fazer teatro pra arrumar namorada.

Verena Glass – E arruma?
Pedro Cardoso -
Ah, as meninas de teatro dão mole. (risos)Pelo menos naquela época davam.

Marcelo Rubens Paiva – Você casou há dezoito anos, foi em que ano?
Pedro Cardoso -
Porra, que pergunta do caralho agora, (risos)isso é entrevista ou é um problema de matemática?

Marcelo Rubens Paiva – Acho que você não comeu ninguém na época.
Pedro Cardoso -
Você se fodeu, porque comecei a fazer teatro com treze anos de idade no colégio. Não sabia que era pra isso, hoje sei. Achei que gostava de teatro. Depois, as meninas trocavam de roupa na frente da gente. O teatro é um negócio muito sensual, e que tem muita liberdade de comportamento, as pessoas se abraçam, as pessoas se beijam, as pessoas deitam umas na cabeças das outras. Aquela menina que tu nunca vai comer, mas ela faz um cafuné, porra, é meio caminho andado, já é uma coisa boa. Você fica vendo o peito dela assim, aquele peito aqui, lembro muito dessas sensações quando garoto. Lembro a primeira vez que uma atriz trocou de roupa na minha frente, eu fiquei, imagina, cara! Eu, treze anos, uma atriz daquela, e você fica ali... Então tem isso da sensualidade. Depois, tem um monte de momento em que você fica realmente interessado no dinheiro, e o dinheiro te obriga a ter uma certa competência. Agora, também tem o momento em que você fica interessado na coisa em si, o teatro pelo próprio teatro. Há esse momento de grandeza, de generosidade, de estar fazendo uma coisa boa para os outros. Então não é uma coisa só.

Sérgio Pinto de Almeida – Eu li algumas críticas desfavoráveis à Vida ao Vivo e ficava surpreso, porque achava muito engraçado, achava um olhar curioso sobre...
Pedro Cardoso -
A palavra que você usou é a que eu usava, um olhar curioso sobre a vida.

Sérgio Pinto de Almeida – E você e o Luís Fernando Guimarães são dois baita egos, dois baita atores e a Globo é a máquina de dinheiro etc. Como é o convívio, essa parceria de dois atores criativos, como se dá?
Pedro Cardoso -
(Silêncio)

Sérgio Pinto de Almeida – Vamos pra próxima.
Pedro Cardoso -
Não, não, essa relação teve um momento e outro. Gostei quando você falou em dinheiro, porque ninguém fala nisso e a classe artística sonega essa informação, e é uma coisa que atrapalha. Porque o negócio da televisão é que num determinado momento começa a te dar muito dinheiro. E por muito dinheiro você aceita e administra muitas tensões, e não vejo nada de errado nisso. Por vinte mil eu administro uma porção de tensões. Agora, por dois mil quero fazer uma coisa que não me dê tanta tensão. Não tem nada de condenável, por isso que falo que o que me move é o dinheiro, só faço pelo dinheiro. E falo não como quem diz uma coisa ruim de si próprio, que está tendo aqui o altruísmo de se confessar um pecador, não. Não vejo nenhum mal em querer ganhar dinheiro, porque não tem ninguém pra me sustentar.

Marcelo Rubens Paiva – Então, quando o ator fala que vai fazer novela porque chama público pra sua peça, é mentira?
Pedro Cardoso -
Não, o cara quer ganhar dinheiro na peça também.

Sérgio Pinto de Almeida – A novela projeta ele para o Brasil, ele pode viajar, ganha dinheiro com o espetáculo e com a novela.
Pedro Cardoso -
Seria muito difícil eu estar dando essa entrevista aqui se não fosse uma pessoa conhecida pela televisão também.

Marina Amaral – E o espetáculo, a peça?
Pedro Cardoso -
Teria menos público. Já fiz outros tão bons quanto, e tinha menos público. A televisão torna você conhecido.

Sérgio Pinto de Almeida – Parece que antes te interrompi, que você ia externar mais coisas sobre os dois momentos etc.
Pedro Cardoso -
É o ego. Não gosto muito quando colocam na questão do ator a questão do ego, como se na profissão dele o ego fosse maior que nas outras. Já vi médicos com o ego enlouquecido, guardas de trânsito com o ego enlouquecido, várias profissões. Então, quando é colocado nessa situação, tenho vontade de dizer que não é verdade, entendeu? Agora, entendo por um lado, porque no ator há uma perversidade, o cara que é escritor escreve um livro, a arte dele é um livro. O cara que é pintor a arte dele é um quadro. No ator, a minha arte sou eu mesmo, entende? É complicado, quando alguém gosta da minha arte é muito mais fácil pra mim confundir com gostar de mim. Quando alguém gosta de um quadro, pode não gostar do pintor. Pode não gostar do autor e gostar do livro. No entanto, uma menina que gosta de mim como ator, é muito difícil entender que ela gosta de mim como ator mas não gosta de mim como homem. Porque a minha arte se dá na minha pessoa, e se dá de uma forma muito complexa, tenho que ter um corpo adestrado, uma mente e um corpo muito sintonizados, não posso querer levar a perna ali e ela não chegar, não posso ter uma tensão na perna esquerda como todos vocês podem ter. Tenho que trabalhar isso. Não posso ter a voz fora do lugar na hora que falo... Então o meu corpo, a minha pessoa é a expressão da minha arte possível. E isso faz com que o meu ego fique de uma certa forma muito facilmente contaminado pelos elogios. Sou muito atento a isso. Isso talvez possa gerar uma dose maior de atrito entre atores do que entre médicos, advogados, engenheiros, ou sei o que lá.

Wagner Nabuco – Essa questão de dinheiro e trabalhar as tensões, o dia em que você levanta mal e sabe que tem que ir ao teatro até porque tem dinheiro envolvido, você mesmo disse, e sabe que tem que tocar aquele troço pra frente, você apura mais a técnica?
Pedro Cardoso -
A técnica é uma questão do teu conflito com você mesmo. Não posso entrar em cena sem vontade de fazer.

Marcelo Rubens Paiva – Tem dia assim?
Pedro Cardoso -
Tem e, quando percebo que não estou em sintonia com o trabalho, me trabalho para entrar. Porque o sofrimento de fazer mal é muito superior àquele de fazer tecnicamente um esforço pra me enquadrar. Mas é complicado isso, fico imaginando nas situações mais radicais, o cara que é cirurgião de cérebro. Eu, se faço mal a peça, ninguém perde uma hora e meia se aborrecendo, ninguém morre. Quando o cara que opera cérebro e brigou com a mulher de manhã ou descobriu de manhã que ela tem um amante, e ele vai operar... Pro ator, essa questão é mínima, pro médico, pra um piloto de avião... Vraummmmm, “mulher vagabunda”, vraummmmm (risos). “O avião, essa merda, vou jogar logo essa porra.” (risos) É o que a gente faz no carro: “Vagabunda...”. (risos) Esses caras são bons pra responder essa pergunta, pro ator é uma coisa muito simples.

Sérgio de Souza – Você falou do físico que também tem que cuidar, como você se cuida?
Pedro Cardoso -
Faço milhares de coisas. RPG pra postura, e corro, e ando e respiração. E a atenção ao corpo, principalmente. Pra uma pessoa qualquer ficar careca é uma coisa chata, para um atora é terrível. “Como que vai ser?” Engordar e emagrecer pra um ator é coisa que tem implicações profissionais.

Sérgio de Souza – E você faz alguma coisa pra não ficar careca?
Pedro Cardoso -
Não, graças a Deus meu pai tem cabelo (risos)

Sérgio de Souza – Você faz dieta alimentar?
Pedro Cardoso -
Não. Sou magro, não tenho problema de engordar. Mas parei de fumar, tem a voz, tem milhares de coisas. É chato, é como um atleta, tem lado atlético.

Sérgio Pinto de Almeida - Você poderia viver só do teatro?
Pedro Cardoso -
Não.

Marina Amaral - E você sente falta de uma política cultural?
Pedro Cardoso -
Sinto uma falta tremenda. Toda vez que alguém fala em política cultural no Brasil, não é política cultural, é política financeiro-cultural. O atual ministro, por exemplo, não vi ele anunciar nenhum conceito sobre um projeto cultural para o Brasil, só política financeiro-cultural: dinheiro para cinema, dinheiro para museu... Dinheiro para o cinema resolve um milésimo dos problemas do cinema. Acho que o ministro poderia propor muitas outras formas de conversar, de entender a cultura, sempre é a cultura da elite, aquela da qual se trata e aquela da qual se fala. O cara que toca uma viola na praça pública, não é chamado de cultura, cultura é tocar piano de cauda no municipal. O cara que toca pandeiro, que faz uma embolada... Por que, quando tem uma seca no Nordeste, em vez de fazer apenas aquelas cestas de abastecimento, não se emprega mão-de-obra artística do lugar pra levar divertimento, ou fazer aquela cultura rodar por ali? A cultura brasileira não é aquilo que a elite chama de cultura, porque o brasileiro é uma coisa extremamente vasta e profunda, e larga, e nunca vi nenhum governo - nesse ponto me decepciona de sobremaneira o governo do Fernando Henrique, eu não esperava esse despreparo de um homem com a formação dele. Não teve nenhuma atenção para esse aspecto do Brasil. E o Brasil só se fará brasileiro, deixa eu dizer uma frase cheia de lugar-comum, através do reconhecimento da produção e reconhecimento dessa própria cultura. É assim que se fez a França. É um Victor Hugo que faz a França ser a França, entendeu? O Shakespeare era um cara tão incrível que escreveu várias peças sobre a história da Inglaterra, para aquele povo entender qual era a história deles. E assim também será no Brasil. Mas não vejo o governo atento para isso. O que faz é dar um dinheiro. Não é errado, mas é um nada. E tenho a impressão de que as pessoas não trabalham numa boa. Tenho a impressão de que isso é vagabundagem. Não estou falando nenhuma coisa genial, estou repetindo o que ouvi dos mais velhos. Qualquer um que leu Paulo Freire sabe o que estou falando. Qualquer um que leu aquele livro fundamental, Casa-Grande e Senzala, sabe, não estou inventando nada. Agora, se você acha que cultura é levar Cecília Meirelles pra pobre ver, como se o pobre não produzisse ele uma cultura... A pobreza não é estéril. O cara morre, mas talvez faça um samba antes de morrer. Então não é levar Cecília Meirelles, não é levar balé clássico, é apenas chegar pra aquele cara que tá fazendo o samba e dizer: "Olha, o que você está fazendo é muito importante, e é muito bom, e você vai ser muito bem pago pelo que está fazendo", em vez de botar dinheiro no Teatro Municipal. Vá pra puta que o pariu, o Brasil não é o país do balé clássico. O Brasil não é o país do cinema novo, o Brasil não é o país do cinema. O Brasil é o país da embolada, é o país do cordel, é o país desta porra! E neguinho fica querendo fazer isso. Acho ótimo fazer cinema, acho ótimo tudo isso. Mas isso tudo não é, digamos assim, o âmago do Brasil. O âmago do Brasil está mais pra Chitãozinho e Xororó do que pro cinema novo. Agora, é bom ou ruim. Tem momentos da cultura brasileira que são sublimes, tem momentos que são uma merda, mesmo sendo popular. Tem o grande cordelista e tem o cordelista medíocre. Mas o cordel é grande. Pô, tem Academia Brasileira de Letras, o Ivo Pitanguy, o Roberto Marinho, o Otto Lara, sei lá. A Academia Brasileira de Letras, - deveria se chamar Academia da Puta que o Pariu de Letras (risos) - não é Academia Brasileira de Letras! Estou falando isso porque esse assunto me toca sobremaneira, porque o meu avô, pai do meu pai, era professor de língua portuguesa, então era um assunto da minha casa. O meu avô fez uma coletânea de cordel, ele foi presidente da Fundação Casa Rui Barbosa. E viu pela primeira vez o valor daquilo pro Brasil. Porque ele fez a coletânea, eu li. Por ter lido, vinte anos depois escrevi um cordel para uma peça, a que vocês viram ontem. Então, pelo fato de uma instituição brasileira ter investido num cara que fez uma pesquisa sobre cordel, um artista vinte anos depois pega aquilo e faz um outro troço que diverte não sei quantas pessoas. É disso que estou falando, é essa a atitude que não vejo o governo federal ter em relação à cultura. Agora, põe dinheiro no cinema, cacete a quatro. Vai dar um bom filme, uma boa peça, um bom balé, mas não vai dar nada permanente, não vai reforçar a identidade cultural, não vai fundar a nação. Enquanto, se você fizer o que o Amir Haddad faz, por exemplo, teatro de rua pelo Brasil inteiro, e não é o teatro de rua da cabeça dele, não, ele vai e monta a lenda local. Chega na cidade: "Vem cá, qual é a história boa?" "Ah, aqui tem um corno que é um corno muito legal, é um corno que aceitou, viveu com a mulher vinte anos, tal..." Ele monta essa história local. A cultura que aquele lugar produz. Mas a gente acha que onde não tem dinheiro não tem criatividade, não tem cultura, isso é mentira. Vou dizer mais uma coisa, e o mais grave disso tudo...

Marcelo Rubens Paiva – Calma, Pedro, calma.
Pedro Cardoso -
...É que os pensadores de esquerda produzem uma cultura esteticamente de direita. Isso que é dilacerante no Brasil, o próprio pensador de esquerda diante do cordel, aquilo tem uma beleza folclórica pra ele. E ele vai escrever um romance no estilo de uma Marguerite Yourcenar. Os grandes intelectuais de esquerda no Brasil produziram no Brasil obras esteticamente de direita, ainda que o conteúdo fosse pretensamente de esquerda. E isso, rapaz, é morte, porque nem as pessoas que estão tentando pensar o Brasil de forma mais positiva produzem uma arte realmente brasileira, sem padrões americanos ou europeus.

Verena Glass – Você tenta fazer isso?
Pedro Cardoso -
Em que medida sou brasileiro? Na medida em que sou um cara de elite. Não posso dizer que sou um sambista, que sou um nordestino, que sou... Não, sou um menino branco, nascido numa família rica, muito antes de ler Machado de Assis li Dostoievski, porque estava na estante primeiro. Então, nessa medida é que sou um brasileiro, porque o brasileiro também tem essa elite. No entanto, por uma questão de educação, fui jogado de encontro a este Brasil maior, que tem o samba, e o Brasil baiano, gente! Realmente os baianos falam o tempo inteiro disso, e é meio chato, mas é verdade, a Bahia tem uma síntese do Brasil melhor que os outros lugares do país. Fui jogado de encontro a isso, culturalmente, então faço um espetáculo, Os Ignorantes, e tenho coragem de levar para qualquer platéia brasileira, com a maior tranqüilidade de que não há uma gota de erudição nele. Pode ser visto pelo cara que veio da Sorbonne, e pelo cara que nunca leu nada. E tenho certeza que sou capaz de divertir a ambos. Acho que a gente precisa dar cabo da erudição.

Sérgio Pinto de Almeida - Quantos atores brasileiros fariam essa reflexão que você faz agora?
Pedro Cardoso -
O Daniel Dantas, o Tonico Pereira, o Zé Dumont. O Zé Dumont é o maior ator brasileiro, ninguém diz isso porque ele tem cara de brasileiro demais, você entende o que eu estou falando?

Marcelo Rubens Paiva – Preconceito. Agora, Pedro, tem um monte de atrizes brasileiras que ganharam prêmios importantes, Fernanda Torres, Cannes, Fernanda Montenegro indicada ao Oscar, a Marcélia Cartaxo, a Beatriz Nogueira, e não tem nenhum ator brasileiro.
Pedro Cardoso -
As atrizes são melhores que os atores, de uma maneira geral.

Marcelo Rubens Paiva – Por quê?
Pedro Cardoso -
Porque as mulheres têm um trânsito mais livre com a própria sensualidade, e o teatro exige do ator uma liberdade imensa com a sua própria sexualidade. E acho que os homens têm medo de dar a bunda, então, você passa a vida sendo criado pra não dar a bunda, você tranca determinados caminhos da sensibilidade que passam pelo cu. (gargalhadas durante quinze segundos) E as mulheres não têm tanto problema. (risos)

Sérgio Pinto de Almeida – Quer dizer, se algum ator brasileiro for premiado, é porque ele deu? (risos)
Pedro Cardoso -
Isso é você que está dizendo. Mas acho que um pouco por isso as mulheres têm esse trânsito mais livre com a sensualidade. Então, a Marília Pêra, a Fernanda Montenegro.

Verena Glass – Você está falando que elas só ganham prêmio porque elas dão?
Pedro Cardoso -
A bunda? (risos) Falei que elas são mais livres com a sensualidade delas. Porque é o seguinte: um personagem coloca pra você situações em regiões que você não pode sonegar. Tem que fazer cara que tem medo de mulher, não tenho medo de mulher, por exemplo, mas tem cara que tem.

Marcelo Rubens Paiva – Só da sua.
Pedro Cardoso -
Como todos. (risos) Vou fazer um cara que é racista, tem que ter trânsito por esses sentimentos. Ter trânsito significa ser capaz de sentir aquilo. Então, se o homem tem várias regiões que não vão da alma dele, volta e meia encontra um personagem que não consegue dar, aí o personagem fica incompleto, no meio do caminho.

Marcelo Rubens Paiva – Você gosta dos personagens mais desequilibrados, diferentes, ou você topa um galã?
Pedro Cardoso -
Boa pergunta, você sabe que tenho tido uma vontade grande de fazer uma história de amor? Nunca senti essa vontade, mas hoje eu adoraria fazer um Titanic, um Leonardo di Caprio, ficar pintando aquela mulher pelada, e depois ser um cara ótimo, ser super gente boa.

Sérgio de Souza – É isso, pessoal?
Pedro Cardoso -
Como é chato dar entrevista, não é? Você fica embevecido com o seu próprio discurso... (risos)

Marcelo Rubens Paiva – Você falou do Roberto Marinho, da Academia Brasileira de Letras, tira!
Pedro Cardoso -
Não, por quê? Eu trabalho pra ele. E sou primo do presidente da República! (risos)

Um comentário:

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